PAPO CABEÇA

— Gente, minha luva furou! 
— Meu Deus do céu!
— O que foi?
— A luva dele furou! 
— Cortou o dedo?
— Uhum. 
— Tá sangrando? 
— Um pouco.
— Bota embaixo da torneira, rápido, e deixa escorrer bastante água.
— Lava com sabão. 
— Que sabão, sua louca, deixa só a água escorrer em cima.
— Ainda bem que é curtido na cachaça, assim não vai ser contaminado!
— Olha quem falando... 
— Depois eu que sou a louca. 
— Não quero dizer nada, mas também já ouvi isso de que é bom lavar com sabão, mas sabão, sabão, não detergente. 
— Deixa eu ver aqui, ui, tá feio isso.
— Parem que vocês estão me deixando assustado. 
— Não encosta nele, cuidado. 
— Aham, tô esperta. 
— Tá, agora estou me sentindo um leproso. 
— Ai, para, exagerado. 
— Uma vez me disseram que é bom ficar apertando o dedo embaixo d’água para o sangue escorrer logo. 
— Que idiotice, de onde saiu isso? 
— Ai, sei lá, que saco, não posso abrir a boca nunca.
— Pronto, lá vem a injustiçadinho perseguido. 
— E não é? 
— Não, não é. É só parar com essas crendices populares que já fico melhor. 
— Falou o senhor sabedoria. 
— Gente, não por nada, mas o que eu faço aqui? 
— Ó, aqui tá dizendo, água e sabão: a melhor combinação para tratar os ferimentos leves.
— Mete aí embaixo da torneira de uma vez. 
— Não temos o que fazer além disso mesmo. 
— Santo Google. Alguém lembra como era nossa vida antes dele?
— Meee, não consigo nem pensar nisso. 
— Eu já falei daquela vez que ficamos dois dias perdidos no cânion... 
— JÁ! 
— Eita, tá bom. 
— E eu, que fui daqui até o interior da Bahia de ônibus, só com o Guia Quatro Rodas na mão.
— Jesus... 
— Quase um mês longe de casa. Ligava pro pai e pra mãe quando dava, aos domingos, a cobrar, de orelhão.
— Cara, isso era o mais incrível. E eles nem tchum pra gente! 
— Ahahahahaha, se fosse hoje... 
— A gente podia morrer e só iam descobrir os corpos um mês depois. 
— E ninguém perdia o sono. 
— Como tá aí?
— Tá latejando um pouco, mas tá parando de sangrar.
— Apertou? 
— Af, lá vem de novo! 
— Apertei. 
— Viu, besta, ele fez o que eu pedi. 
— E a minha prima que conheceu um cara por Correio, em São Paulo, e foi atrás dele de carona, tendo só o endereço, nada mais? 
— Que? Como assim? 
— Não me pergunta como. Do tempo que a gente mandava cartas. 
— Vocês mulheres adoram viver perigosamente. Podia ser um Jack O Estripador. 
— Menos.
— Ah, vai se catar. Até onde dizem as estatísticas, não somos nós que morremos mais cedo.
— Verdade, nem nos matamos com bala, facada, acidente de carro e outras formas estupidamente masculinas de morrer.
— Tá, mas ela encontrou e sobreviveu ao Jack?
— Aquela coisa assim meio dumb ways to die!
— Ahahahahahaha, é isso mesmo. Os homens adoram dar uma morridinha heróica, né?
— Pronto, se acharam! 
— Terminou aí? 
— Acho que sim. 
— E ela, achou o Jack ou não? 
— Claro. Se casaram e vivem juntos até hoje.
— Adoro que ele não consegue deixar lacunas em branco.
— Meu, o meu cérebro buga se eu não encerro um assunto. Sério. Vocês não são assim? 
— Senta aqui, pega essa toalha. Achei álcool no armário lá dos fundos. 
— Já ia mesmo perguntar onde a bonita tinha se enfurnado! 
— Tava fazendo o que os marmanjos deveriam fazer. 
 — Uhum. 
— Falando nisso, vocês sabem que essa dumb ways to die foi uma campanha publicitária famosérrima na Austrália? 
— Sim! 
— Sem falar que a musiquinha é ótima. 
— Ótima o cacete! Fica na cabeça da gente pra sempre. 
— Não mais do que ai, se eu te pego. 
— Música chiclete. 
— Blergh! 
— E aquelas daquele cara, acho que é Amado Batista? Senhor, a minha mãe ouvia isso o dia todo no radinho de pilha. 
— O radinho de pilhas! E quando acabava a pilha bem no meio da nossa música preferida? Ficava só a chiadeira. 
— Putz, nem me fala.
— E a gente balançava o rádio...
— Ou aquecia as pilhas. 
— Como se fosse adiantar! 
— Ahhh! 
 — Que foi?
— Essa louca virou um litro de álcool no meu corte.
— Meu pai, que fiasquento! 
 — Vai morre-er! 
— Me digam, o fiasquento é primo do friorento?
— E aquelas criaturas que dizem friolento? Pelamor. 
— Que agonia.
— Quando ouço alguém dizer "sou friolenta" logo imagino a criatura andando devagar, quase parando, toda enroupada num invernão louco.
— Ahahahahaha, muito boa. 
— Parou de doer ou ainda tá morrendo?
— Parou. 
— Viu, nada que um álcool não resolva.
— Se fosse por isso, nem precisava ter gastado esse álcool aí. Cachaceiro inveterado. 
— Mas de novo? 
— Friolenta ainda passa. E o seje e o teje?
— Aí não dá, né? Dói no ouvido. Esses dois aí são primo-irmãos do menas. 
— Um professor meu, fodão em gramática, uma vez disse que é mais fácil do que a gente pensa. 
— Como assim?
— Essa coisa de doer no ouvido. É fato. 
— Desenvolva melhor o assunto, por favor.
— Que quando a gente fala ou escreve algo e soa estranho ao ouvido, é porque, provavelmente está errado. Ou seja, a gente já mais ou menos sabe, meio que inconsciente, que tá incorreto dizer menas, dá pra mim fazer, seje. Porque não soa natural à audição. Faz sentido, né? 
— Interessante. Meio que por osmose?
— Não seria simbiose? 
— Cara mala! Tão te chamando lá fora. 
— Mim dá o dicionário e vamos pesquisar.
— Ui, mim dá é dose. É outra que dói. Mas gostei dessa do ouvido. 
— E tem o soa também.
— O que tem? 
— Vocês não conhecem várias pessoas que soam quando tá quente? 
— Ahahahahahaha, verdade. Deve ser um efeito de sino que faz a criatura soar no calor! 
— Falando em osmose, simbiose e dose, vocês viram que o Ozzy não consegue mais andar por causa do Parkinson e mais uns lances na coluna? 
— Que merda! 
— Que Ozzy? 
— Ah, não, jura? 
— Só falta agora dizer: não é do meu tempo, como eu vou conhecer? 
— Pir qui vici ni cili i bici? 
— Tipo aquele meme: como eu poderia saber que meus atos teriam consequências?
— Meu! Melhor meme, ever! 
— Ai, lerda, o Ozzy Osbourne. 
— Vocalista do Black Sabbath.
— Falando assim com jeitinho eu lembro.
— O Phil Collins, meu crush da vida, é outro que também tá acabadaço. 
— Viram que ele é pai da Emily, do Emily em Paris? 
— O Phil? Wow! Não sabia, mas agora sabendo, vejo que ela é a cara dele. 
— Melhorada, né? 
 — Digamos que beeeem melhorada. 
 — Não tanto quanto aquele Gabriel. Jesus me abana, o que é aquele homem?
— Eu prefiro o outro, como é o nome dele?
— Alfie.
— Esse aí! Ui. 
— Aliás, a Emily, hein?, bem safadinha. Só pega os filés do elenco. 
— Bah, aquele carinha italiano. Gente, que coisa querida. 
— Sou mais a japinha amiga dela.
— Não fala assim! 
— E ela nem é japonesa, tô vendo aqui, é norte-americana. 
— Tudo bem, amor, ficou tão quieto? Não passou a dor? 
— Tô bem, passou, sim, obrigado. Mas tô aqui pensando como foi que evoluímos de um corte no dedo para Emily em Paris em menos dez minutos! 

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