SACRIFÍCIO

 

©Agência Brasil


Naquela tarde, nossa avó chegou arrastando uma cabra de ossos desencapados e olhar comprido. Num esforço descomunal e entortando as pernas, a colocou com dificuldade sobre a mesa, praguejando e evitando ficar cara a cara com ela. Bateu forte com a corda no encosto da cadeira e ameaçou Deus com o sacrifício do animal até a noite, sem falta. Se Ele não a atendesse, faria uma oferenda ao Diabo. Não chovia há oitenta e quatro dias. O cheiro de terra infértil descia custoso pela garganta e emprenhava de pó e insanidade as entranhas todas, fazendo qualquer um enlouquecer. A cabra fez um som estranho e vomitou uma baba pastosa, branca, cheia de espuma e desfaleceu antes da profecia se cumprir. Na hora mesma, o som de pingos grossos batendo com força no chão rasgou o silêncio, levantando um sopro quente do coração do terreno e abrandando nossas almas. Dormimos sem saber a quem adorar a partir dali. 


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