Ela falava menas.
Minha melhor transa falava menas.
E todos também sabemos que do menas para
o seje, que é primo-irmão do teje, é um pulinho.
Mas essa era uma situação com a qual eu
não sabia lidar. Porque existem pessoas que a gente simplesmente não consegue corrigir.
São as eloquentes, as que falam com cento e dez por cento de certeza, que não dão
margem a correções. Aquelas que ainda vão discutir, bater pé e tentar nos convencer
que estão cobertas de razão. Porque não têm dúvida e não se dão esse benefício.
Nem ouvem. E você se sente envergonhado. Quase um censor. E, se bobear, mais um
pouco se pega falando menas também.
Mas como dizia meu ex-colega Jorge, tem
gente que não adianta. A frase era da avó dele, a quem ele sempre creditava com
orgulho — registre-se —, que constatações assim só podem vir de quem é profundo
observador da natureza humana.
Cara humilde, o Jorge. Não se apropriou
da fala da avó. Admiro isso nas pessoas. Não que ele não tivesse capacidade de
observar, não me interprete mal. É que os mais velhos (alguns, porque outros
não adianta) têm a sabedoria de quem já viu de tudo um pouco. Aquela história
de que o diabo é esperto não porque é o diabo, mas sim porque é velho. Copiou?
Eu também teria orgulho de proferir
sentenças sábias da minha avó. Diante disso, penso agora que ela estava
corretíssima, a avó do Jorge. Tem gente que não adianta. É tão simples que
chega a ser profundo.
Por essas e outras, toda vez que um menas
escapava daqueles lábios rosados, um pedaço de mim era esmagado com brutalidade.
Como se aquele singelo a mal-ajambrado tivesse a força de um rolo
compressor passando devagar sobre uma parte bem específica do meu cérebro.
É mais forte do que eu.
Mas não foi um processo aleatório. É que
de repente as coisas ficaram estranhas e todo mundo passou a comer arroiz, a dizer
treis e a falar nóis. E nóis vai e nóis faiz. E nóis empresta treis quilo de arroiz
do vizinho e nóis vai parar de estudar no próximo simestre. E eu apoixonei
nessa casa nova. Uma involução, um delírio que nos trouxe a esse instante
sublime: a preguiça coletiva de conjugar verbo e, de lambuja, a exclusão do pronome
pessoal oblíquo. Tudo no mesmo pacote, para facilitar. Mas, vejam bem, há de se
manter o equilíbrio. Então, a precinho de ocasião, levem um i para compensar.
E eis temos o quid pro quo — o toma lá dá cá maluco com a língua.
E quem já está no menas logo pode
partir para o treis e pro nóis faiz. É fato. Porque tudo se embola no meio de
campo e respinga para a grande área. A sorte é que ainda existe o impedimento.
E, glória, ainda existem os tipos como eu.
Mas devo dizer que não sou daqueles que
se controla numa situação dessas. Só para constar. Mas também não sou assim tão
chato. Veja bem, nem dou muita atenção à economia de plural. Não é significante
no contexto geral, porque fica claro que a pessoa sabe falar, mas tá com uma
preguicinha de botar aquele essezinho sacana no final da palavra. Afinal, é
muito mais fácil dizer que vai lavar os pé ou secar as mão. É uma subtração aceitável,
eu diria. Praticamente uma licença poética. Sem troca, inegociável. O plural assassinado
com intenção, suprimido sem a pretensão de se esconder. A gente sabe que tá
falando errado e ponto. E nossos ouvidos sentem até um prazer fortuito, uma
sensação gratificante de transgressão permitida.
Mas o menas não dá. Lamento muito.
E assim, fui levando enquanto pude. Criando
coragem para abordá-la, com carinho, para ajudar nessa importante transição. Esperando
o momento certo. E esse veio, depois de uma trepada fenomenal. Já disse que ela
era a minha melhor, né? Ah, claro, estou me repetindo.
Então, foi naquele pós em que o silêncio
diz praticamente tudo e a gente se sente poderoso, capaz de mudar o mundo. Ela também
estava receptiva, eu sentia.
— Docinho, tem uma coisa que eu queria
dizer, já faz algum tempo — iniciei meio sem jeito.
Ela me olha, mais linda do que nunca, quase
pegando no sono.
— Dá para ser amanhã, amor? Tô meia
cansada...
É. Tem gente que não adianta.
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