Era noite. Fazia frio. As luzes a essas
alturas já deveriam estar acesas. Mas não estavam. Caminhei em direção ao ancoradouro.
Os pés espalhando as folhas secas que repousavam sobre o concreto gelado. Eu
estava inseguro. Na verdade, mais infeliz que inseguro.
Apertei fortemente as mãos contra o
corpo. Um pesado casaco de inverno era tudo o que eu possuía. Fruto da caridade
alheia. Mas isto não me incomodava. Minha história era de sobras.
Continuei andando.
Era gostoso ouvir o ruído que meus pés
produziam sobre as folhas. Daria um dedo por um cigarro naquele momento.
O brilho da lua prateava a água e fazia
meu pensamento ultrapassar limites. Na borda, me detive. Encostei-me à grade de
segurança e fiquei por uns segundos a divagar, a imaginar que tudo podia ter
sido diferente. Eu podia ser diferente. Podia não ter medo, soterrar as
frustrações de uma vida inteira de lacunas em branco, silêncios e privações.
Vinha sendo assim há 37 anos. De um
modo ou de outro, eu era um homem e isso poderia oferecer certa vantagem no
mundo que me aguardava do outro lado. Eu fui um homem.
Aquele instante pareceu durar uma
eternidade e quando dei por mim estava a bordo do barco liberdade. Do lado de
lá, ninguém a minha espera. Como sempre, completamente só.
Olhei para trás e pela última vez vislumbrei
a paisagem mórbida que mergulhava na escuridão. A penitenciária desapareceu no
espaço. Eu emergia de um pesadelo. As luzes deste lado estavam acesas. Sorri
para o policial e ganhei a noite.
©yohann-lc-unsplash
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