O FIM DO MUNDO

 


Já havia feito uma porção de coisas na vida. Nenhuma de grande expressão. Agora, contava os dias para a aposentadoria. Faltava pouco. Bem pouco. Há 17 anos trabalhava como vigia em uma fábrica de laticínios. Toda a manhã a mesma coisa: bater o cartão às 7h na portaria, pegar a garrafa térmica com café na copa e arrastar os pés até a guarita. A guarita ficava na extremidade frontal do terreno, junto ao portão, no limite com a calçada. Era uma pequena peça embutida no muro, com janelas de vidro que facilitavam a visão ao longo da rua.

A rua era bem cuidada, calçada com pedras regulares brancas. Era arborizada, limpa e movimentada até a empresa. A partir dali, era deserta. Seguia por uns quatrocentos metros em pequena subida. Naquela altura, parecia terminar. Mas não terminava. Era apenas a vista que não enxergava adiante. Parecia que o mundo ia acabar ali mesmo. Mas não acabava. Ou não devia acabar. Não teria a menor graça o mundo acabar assim, no final de uma rua qualquer, sem mais nem menos.

No inverno a guarita era gelada e solitária. No verão, sufocante e solitária. No outono e na primavera, agradável e solitária. Como deve ser. Todo o final de tarde, ao recolher suas coisas, dava uma olhada para aquele lado. A curiosidade sempre era vencida por algum acontecimento, pela incerteza ou uma ideia qualquer que lhe invadia a cabeça, desviando o desejo de conhecer o outro lado. Em um inverno, decidiu terminar com aquele mistério. Já era tempo. E que fosse logo, antes que a determinação se esvaísse. Mas aí, a Lucinda tivera um problema sério de saúde. Ficara às voltas com a mulher sem conseguir pensar no assunto por quase um ano. Depois, veio a onda de demissões. Tinha de dobrar turno, concentração total. Não podia se ocupar com outra coisa.

Certa vez, até chegou a encher-se de coragem. Mas achou melhor abandonar a ideia. E se o mundo realmente se findasse ali? E se não houvesse mais volta depois de romper o limite do final do mundo? Estava preparado para isto? Sua vida seguia o curso normal. Cento e dezoito passos do relógio ponto até a copa, duzentos e quinze até a guarita. Cochilo na hora do almoço, a música melancólica do radinho de pilhas e o ranger do ventilador cortando o silêncio nas tardes abafadas. Os pés congelados no frio. O carteiro sempre pontual, duas cargas diárias despachadas por caminhão, a sirene que soava às 18h. Fim do expediente. Sempre tudo igual, sem sobressaltos. Vivendo no piloto automático.

Estava se aposentando e isto já exigia certa adaptação. Um desconforto pelo qual era imprescindível passar. Mas quem sabe, talvez, pudesse ir lá agora, acabar de vez com aquela angústia? Anda sete passos, decidido. Nunca esteve tão perto. Mais dois, três, a respiração apertando, a garganta seca. Mais quatro, as pernas ficando pesadas, o suor escorrendo pelas costas. O coração bate tão rápido que é difícil se controlar. A vida passando em flashes em sua cabeça. As desistências, o medo, a insegurança, os anos passados naquela guarita. A rampa vai ficando menor, o topo ganhando contornos. Não desistir, não desta vez. Visto daqui, tão próximo, o final nem é tão assustador assim. Este pensamento lhe dá nova carga de coragem.

Então, lembra que prometera comprar um botão para o casaco da Lucinda. Interrompe a marcha bruscamente e gira para a esquerda. Se correr, ainda consegue pegar a loja aberta!




©Chaney Zimmerman-Unsplash

 



 

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