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Ali naquela esquina, onde a rede social nem chega ou perde o sinal é que a vida acontece de fato. Nas pessoas que por lá circulam, pelas casas simples de histórias pulsantes, nas cores que dançam apresentando o dia e a noite, na cadência de quem sobe e desce diariamente. No sulco de cada rosto tanta emoção escondida. As cicatrizes, uma a uma, revelam contos. De fada. De dor. De perdas. E sobretudo de esperança.
Bem naquele cantinho, onde a pequena menina se esconde para cochichar segredos a suas bonecas é que fica a passagem para o mundo melhor. Nesse espaço tramam-se amores, caminhos, futuros. É por ali que desfilam as gerações que se moldam em sonhos. Também nas batalhas com soldadinhos ou na pelada de final de tarde, sob a chuva de verão, se costuram os universos paralelos que compõem a essência mágica de tantas pessoas.
É nesse lapso entre o real e o virtual, na ebulição dos sentimentos todos que o tempo se constrói. A partir dos sentidos, do que se vive e do que se percebe. Do tangível remixado. Dos ensaios em frente ao espelho. Do joelho ralado. Dos tombos de bicicleta. E toda queda traz consigo uma crônica — que se abre em inúmeros aprendizados e aponta novos percursos. Marcas tatuadas pela mão da sabedoria. Aprendizado que não se esgota. Existência em câmera lenta enquanto o roteiro vai sendo escrito, ao vivo.
É bem ali, naquela ruela, no trem, no trânsito, na sala de aula, no sofá de casa, no abraço demorado, na lágrima que insiste em rolar, que a vida se desdobra em mil. Que a gente se faz, se refaz. É o redemoinho da existência que nos fortalece. A fração de segundo, o piscar de olhos no qual cabe uma eternidade. Tudo, o tempo todo, sempre, acontecendo desse lado. Porque somente aqui as cicatrizes fazem sentido e as quedas têm importância. O lado de lá é apenas um breve e efêmero jogo de ilusões.
*Texto publicado na edição de 01/07/2018 no Caderno Divas do Jornal ABC Domingo.
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