Papéis da vida

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Premia o pedal da máquina com lentidão quando sentiu as primeiras dores. O sol já há muito havia se deitado e a noite assoprava lamentos. Ora sem sentido, ora como um aviso. Mas sabia esperar com a sabedoria e a paciência de quem espera criança. Endireitou o tecido, direcionou a luz do lampião e voltou à costura. Horas iam se passar até que chegasse o momento. Nada o que fazer até lá, senão ser forte. A vida era assim. Já que botava um menino em pé, outro estava a caminho. Era preciso. As pernas sentiam o inchaço. O som cadenciado da agulha passando pela sapata e indo pescar a linha na lançadeira começava a se perder.  Estivesse ali um maestro, a nota fora do tom não passaria desapercebida.
  

Quando amanhecesse mandaria chamar a parteira. Não adiantava mudar o curso. O tempo é sábio e remédio para todas as coisas. Quando esta chegasse, tudo já estaria bem encaminhado.  Então, em alguns minutos um novo acorde seria ouvido, resultado dos gritos abafados, da ladainha das mais velhas e, finalmente, pelo choro do rebento.  Depois da primeira manifestação do recém-nascido, os homens, na sala, acenderiam um charuto pra comemorar. O copo de pinga passava de mão em mão. Se fosse varão, o pai ficaria ainda mais orgulhoso de sua jornada laboriosa. Enquanto a mãe, na penumbra de seu quarto simples e de tantos silêncios, se erguia da cama pra fazer vingar mais um.

Comentários

Gabriel disse…
Texto que trás imagens a mente, esse trecho "Então, em alguns minutos um novo acorde seria ouvido, resultado dos gritos abafados, da ladainha das mais velhas e, finalmente, pelo choro do rebento" é de uma perfeição incrível. Por favor não pare.