Desapegar-se
daquele lugar que já não tem mais nada a ver conosco, das coisas que não nos
fazem bem. Às vezes, a melhor saída é a porta, pois estamos dando a chance a
outros destinos cruzarem com o nosso.
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O processo de amadurecimento tem, entre seus
benefícios, a percepção de quando é hora de deixar algumas coisas para trás, se
desvencilhar. Ao longo da nossa caminhada vamos agregando penduricalhos à
armadura, até que chega um momento em que fica difícil carregar tantas quinquilharias
sem se sacrificar. Relações mal resolvidas, amizades desfeitas, desafetos
conquistados, amores perdidos, amores bandidos, brigas por bobagens, empregos
que nos consomem, gente que não faz bem. Perdemos tantas horas de sono com
teorias da conspiração, tentando entender os nossos e os motivos alheios. Por
que não disso isso? Por que permiti chegar a esse ponto? Por que não fiz
aquilo?
Então, é hora de deixar partir. Com tranquilidade. Não se
trata de uma ruptura, mas sim, de um recomeço. Pessoas entram e saem das nossas
vidas o tempo todo. Algumas ficam mais, outras se vão. Há aquelas que são para
sempre. Já sofri e sofro por amizades que tiveram um ápice, um grande
significado e passaram. Senti não ter me aproximado mais de alguém com quem
tive uma afinidade ímpar na primeira vez em que nos vimos. Trata-se de
caminhos, vidas paralelas. Nada premeditado. Os desencontros são parte do
processo. As relações são difíceis e as situações em que nos colocamos mais
ainda!
Por isso, partir faz bem à alma. Desapegar-se daquele
lugar contaminado que já não tem mais nada a ver com nosso jeito, desfazer-se
das coisas que não nos fazem bem. Às vezes, a melhor saída é a porta. No
entanto, relutamos até o último instante. Talvez por acreditar que seja um fracasso,
por medo de tentar novamente, por acomodação. A vida é pura reciclagem. Nada
melhor do que arejar, mudar o rumo. Ao abrir a porta não estamos nos colocando
em situação de vulnerabilidade. Estamos dando a chance para outros destinos
cruzarem com o nosso. Quanta coisa interessante pode ter do outro lado e a
gente aqui, preso a lembranças, ao passado e à imaginação de como poderia ter
feito melhor.
Investir na insalubridade é deixar o tempo corroer
nossos sonhos, nos afastar do que realmente somos. Toda relação que exige
mudança brusca apenas de um lado não faz bem. Precisamos ser aceitos como
somos, com virtudes e defeitos, e crescer junto com nossos pares. Sejam eles
amigos, parentes, amantes ou chefes. A hora certa dispensa dramas e sofrimento.
E essa descoberta é pessoal, depende de cada um. Alguns levam mais tempo.
Outros nunca se darão conta e vão passar a vida amarrados a perguntas sem
respostas, buscando os porquês.
O exercício de abrir mão traz consigo a leveza. Deixar para
trás tudo o que já não tem significado, que pesa e exige além de nossa
compreensão. É perdoar e seguir. Parece difícil. E é. Mas é também muito
compensador. E ultimamente essa tem sido minha escolha: deixar de arrastar
correntes. Quero andar solta e libertar do meu pensamento aqueles quem já não
querem mais estar próximos a mim. Sem ressentimentos. Porque um dia todos nós
vamos desejar ir embora.
Texto publicado na edição de agosto de 2015 no Caderno Divas, do Jornal ABC Domingo.
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