Vida após

No princípio recebíamos muitas visitas. Mas com o passar dos anos fomos sendo, literalmente, esquecidos. Sempre que aparecia um novato, logo era integrado ao grupo. É incrível como a gente se une na solidão, na tristeza, na incerteza, na imensidão... Todos chegam meio estranhos, contrariados. Depois vão entendendo. No ano passado a Amélia Rigo recebeu gérberas lindas. Gérberas não costumam aparecer por aqui. Só flores mais comuns. Ela não perdeu a oportunidade de gabar-se muito. Senti, sim, uma leve pontada de inveja. Não por ela, mas pelas flores lindas e diferentes. As minhas preferidas, embora nunca as tenha recebido desde que cheguei.

Acho que foi

isso. Mas há muito deixei para trás estes sentimentos. Um dos benefícios deste estágio é o aprendizado, o amadurecimento da alma. Ter a certeza de um longo caminho dá uma certa tranquilidade. Fosse em outro tempo, eu teria recorrido a um comprimidinho, um escape. Mas hoje não. Alguns custam a aprender e sofrem mais. Tem que se desapegar. De tudo. Dos que ficaram, da vida. Na última vez o José Pedro recebeu lírios. Brancos, classudos. Ele limitou-se a cuidá-los sem nada dizer, até que murcharam, despencando sobre as bordas do vaso de plástico ajeitado entre duas pedras. Seu orgulho era notório. Fiquei muito feliz por ele.

Mas agora, bem ali no lugar do vaso está crescendo um naco de grama. As raízes se infiltrando pelas rachaduras do granito preto. Uma pena. Sinal do descuido, do esquecimento. Não queria ser esquecida também. Mas o tempo é implacável. Não posso julgar. Tive uma vida rica, saúde, família, harmonia. Estudei, conheci o mundo. Não devo me queixar. Talvez, se desse para retroceder e tivesse a oportunidade, mudaria algumas coisas. Aproveitaria mais as pessoas, o mundo. Por enquanto, sigo minha trajetória, esperando por visitas e flores em uma data específica. Quem sabe até mesmo a chegada de um conhecido? Mas não desejo mal a ninguém. Cada um tem seu tempo.