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Era um tempo tão longínquo, tão distante que até mesmo a memória já não o alcançava. As histórias e vidas se perdiam no pó, denso e rosado, carregado de seca e solidão. Era uma época em que os homens se mutilavam em combates e os que sobreviviam voltavam em farrapos, estéreis de alma, feito zumbis.
Suas mulheres esperavam em resignado silêncio, numa infinda espera que só à mulher é permitida. O sofrimento abafado, reprimido, era pior que a morte. A cerca por consertar, o poço seco, agrama alta, o ventre feminino. Tudo isso carecia da mão masculina, do seu toque rude e firme. Melhor era acreditar no seu retorno, talvez sem um braço, uma perna ou sem a dignidade. Mas era preciso ocupar aquele lugar na cama, preencher o vazio e arrancar da mente o espectro que insistia em dar vazão à insanidade.
Os domingos já não tinham mais graça, a algazarra das crianças era substituída pela ladainha das avós, que desfiavam seus rosários em preces nunca ouvidas, palavras em vão sopradas do amanhacer ao ocaso. O sorriso, afugentado dos lábios, cedia lugar ao desalento a cada dia que chegava ao fim.
Aos poucos o pó tomava conta, encobria a paisagem. Os homens nunca chegavam. E os que chegavam jaziam sobre a terra, errando pelas ruas, sendo recolhidos por suas mulheres. Era um quadro pintado com primor pela mão do tempo. Apenas a moldura se mantinha intacta, enquanto seus personagens iam se apagando, desbotando lentamente. Até uma nova era se instalar e a batalha recomeçar.
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